Contar histórias
Quinta, 2 de maio de 2002. Artur da Távola (coletado por
Dion)
Contar histórias Numa escola do Rio, uma vez por semana
a professora saía de cena e duas mães de alunos
contavam histórias, dramatizavam, conviviam como as mães
de antigamente. Após a mãe contar a história
de Rapunzel, o menino mais rebelde da aula, o Vítor, saiu
de sua contrariedade habitual e desenhou uma boneca com um passarinho
sobre os cabelos. E ele, que não estudava, não participava
das aulas, em vez de narrar só com palavras, graçhas
à história e ao desenho, chamou a mãe, que
contava a história (não era a mãe dele) e
fez, toscamente, um menino numa cama, uma cruz e um bebê
no braço Destampou, então, a angústia que
o oprimia e jamais encontrara como expressar: morrera-lhe um irmãozinho
com quem dormia no mesmo quarto. Desenhar, ouvir histórias,
conviver com mães e formas de arte em vez de matéria
e aprendizado, havia liberado aquele menino da penosa elaboração
da idéia de morte, presente em mistério e disseminação
de aflições desde a infância e quase nunca
captada pelos adultos.
Ela tivera mãe contadora de histórias e uma babá,
Eufrósia. Jamais dormia sem histórias, príncipes
e sua cabeça sempre foi povoada de peripécias, por
isso gostava tanto de ler. E pedia à mãe para repetir
a de Rapunzel. Identifica-se, via-se dentro da história
e adorava o som do nome estranho, Rapunzel, tão diferente
de todas as outras palavras do idioma infantil. Naquele dia a
citada mãe que contou a história para um Vítor
que não era seu filho estava emotiva e, sabe-se lá
porque, não resistiu. E à noite, horas depois do
ocorrido, já em casa, não parava de chorar. Havia
testemunhado o milagre da educação e descobria que
as formas artísticas existem para liberar o ser humano
da necessidade de explicar, conceituar, definir. A arte expande
a alma através de uma forma de conhecer que independe do
saber racional, esse dos livros.
Lembrou com saudade que a própria mãe dela, morta
há anos, foi grande mestra de amor e de alma. Gostava de
contar histórias, tinha paciência para ficar com
ela, dar-lhe a mão para as viagens da fantasia. A mãe
fora mestra e artista. Não era mulher culta, porém
possuía esse dom encantatório de guardar histórias
e a paciência para contá-las à filha até
adormecer. Aí pensou nos dois filhos. Lembrou-se de que,
premida pelo desejo de ascender, meteu-se numa faculdade à
noite. E quando lá não estava, ficava em casa a
estudar. Deu-lhe enorme vontade de largar tudo e simplesmente
contar histórias