Bicicletas sim!
Um ciclista usa cerca de 300 Watts, enquanto um carro gasta
6.000 Watts! Você ainda economiza o tempo da academia
de ginástica, chegando super acordado no trabalho!
Abaixo estamos citando um texto mandado nas listas bike@egroups.com
e bicicleta@egroups.com (esta última de Florianópolis).
O autor chama-se Sirkis e ele dá um panorama interessante
da experência da bicicleta no Rio de Janeiro. Muito
se aprende para outras realidades. É longo, mas vale
a viagem!
A bicicleta
como meio de transporte
A bicicleta e, secundariamente, os patins,
o skate e similares são alternativas não motorizadas
capazes de revolucionar o perfil de transportes de uma cidade,
em menos de uma década, para deslocamentos de curta
e média distância. Sua implantação
e gestão, ao contrário de outras modalidades
de transporte, depende totalmente do poder local, da vontade
política municipal. Por essa razão, faremos
uma abordagem mais detalhada.
Quando da implantação das primeiras
ciclovias no Rio de Janeiro, os pessimistas argumentavam que
ciclovias com características de transporte alternativo
não resistiriam ao verão carioca. Elas seriam,
na opinião desses críticos, "coisa de país
frio". Na verdade, qualquer pessoa que conhece o clima chuvoso,
o inverno com o vento cortante daquela parte do mundo, se
dá conta de que, na verdade, as condições
climáticas brasileiras são muito mais favoráveis
ao uso regular da bicicleta como meio de transporte a curta
e média distâncias (até cerca de 15 km).
Há dois obstáculos - um sério
e outro prosaico - à adoção das bicicletas.
O prosaico é justamente o calor, de fácil solução
com oferta por parte das empresas e escritórios, de
banheiro e vestiário, o que não chega a ser
uma dificuldade tão grande assim, sobretudo quando
estimulado pela prefeitura com seus vários mecanismos
(uma fórmula é a prefeitura realizar convênios
com escolas, clubes, shoppings e empresas nas quais instalaria
bicicletários, em contrapartida à oferta de
facilidades de vestiário e banho para empregados ou
usuários ciclistas).
Um exemplo de implantação de
sistema de ciclovias particularmente bem sucedido é
o de Amsterdã. Não só pela adesão
que despertou na população como pela metodologia
integrada e participativa que foi adotada para implantálo.
Há uma perfeita integração da malha cicloviária
com a viária e urbana, resultado de um esforço
sistemático, iniciado em 1979, com a criação
de um grupo de trabalho de sistemas cicloviários. Foram
15 anos de planejamento, ação integrada e dotação
orçamentária regular, que resultaram na construção
de uma malha invejável. Qualquer ponto da cidade está
a menos de 200 metros de alguma ciclovia, ciclofaixa ou faixa
compartilhada.
Hoje, 26% dos deslocamentos diários
na cidade já são feitos de bicicleta, 34% de
carro e 40% de transporte público: metrô, bonde
VLT e ônibus. Cerca de 80% dos habitantes da cidade
têm bicicleta, embora apenas metade deles a utilize,
no cotidiano, devido aos furtos, à dificuldade de transportar
objetos e, no inverno, ao frio. Cerca de 57% da população
de Amsterdã têm carro, e os trajetos diários
de automóvel não ultrapassam 5.5 km, o que sugere
a existência de um potencial de expansão ainda
maior para o transporte cicloviário nesta capital da
bicicleta.
O uso em massa fez da bicicleta um objeto
simples, despojado, sem nenhuma sofisticação.
Nas ruas de Amsterdã podem ser encontradas milhares
de bicicletas,todas antigas, do tipo "camelo", guidom alto,
freio contrapedal, em circulação pelos quatro
cantos da cidade. Não há mountain bike e existem
pouquíssimas bicicletas de marcha.
O obstáculo mais sério ao incremento
do uso da bicicleta como meio de transporte no Brasil é
a segurança: trânsito perigoso e riscos de assaltos,
sobretudo nos grandes centros. Nas grandes cidades, é
crucial a construção de ciclovias fisicamente
separadas e protegidas do trânsito, embora não
se possam descartar as ciclofaixas - muito bem demarcadas
com tinta e sonorizadores - como uma solução
nos muitos lugares nos quais não é possível,
ou ainda não é possível, construir pistas
específicas, segregadas. Já representam um avanço
e um benefício ao ciclista uma singela microintervenção
cicloviária, como, por exemplo, uma pequena rampa onde
antes havia um meio fio alto, a ser transposto no braço
ou num salto com a bicicleta, que demanda uma certa perícia
e preparo físico.
É importante ter em mente que as ciclovias
não se destinam prioritariamente a ciclistas bem treinados
e desportivos - esses muitas vezes preferem disputar seu espaço
no trânsito - mas às pessoas comuns que querem
andar de bicicleta. Seu objetivo é estimular o uso
da bicicleta por parte daqueles que anteriormente não
a utilizavam como meio de transporte para o trabalho, para
o lazer ou para as compras. Ao utilizar a bicicleta, nestes
percursos, essas pessoas estarão deixando de utilizar
automóvel ou ônibus. Em cidades menores, que
ainda não apresentam o trânsito caótico
dos grandes centros, e onde já existe o hábito
de coexistência entre automobilistas e ciclistas, uma
malha constituída basicamente por ciclofaixas, pintadas
na pista de rolamento e apoiadas por sinalização
e bicicletário, é uma boa solução,
com custos muito menores.
Ciclovias, ciclofaixas ou faixas compartilhadas
fazem parte de um conjunto de intervenções destinadas
a estimular e dar mais segurança e conforto ao uso
da bicicleta como meio de transporte. Elas são a parte
visível de uma estratégia integrada, que é
bem mais ampla.
Como é registrado no Sign Up for the
Bike CROW (6) do centro de pesquisa em engenharia de tráfego
da Holanda: "A construção de facilidades cicloviárias
não é um fim em si. O objetivo de uma administração
de vias a serviço do consumidor é prover os
ciclistas com a rota mais direta, atraente, segura e confortável,
possível, dentro de uma malha cicloviária coerente".
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A implantação
de um bom sistema cicloviário depende de alguns elementos
estratégicos, tais como:
Efeito demonstração gerando
um fato cultural O desencadeamento do processo de implantação
de malha cicloviária numa cidade deve ser feito com
grande visibilidade, numa área nobre, para conseguir
um efeito multiplicador. No caso do Rio de Janeiro, começouse
pela orla marítima e, posteriormente, pela conexão
da zona sul com o centro da cidade. O fato de se ter começado
pelo ponto de maior visibilidade da cidade criou um fato cultural
de imenso impacto e que se refletiu posteriormente nas pesquisas.
Houve acirradas críticas na mídia,
sobretudo em cartas de leitores e dentro da própria
prefeitura e Câmara Municipal. A origem eram quase sempre
moradores de áreas onde a ciclovia suprimiria vagas
de automóveis, freqüentemente sobre a calçada.
A crítica, embora estridente, não encontrou
apoio no público em geral.
Nas várias pesquisas efetuadas em
diferentes áreas da cidade a média de simpatia
pela construção das ciclovias era de 88%. Quase
todas que conformam os 80 km iniciais das ciclovias cariocas
transformaramse em sucesso de público, sobretudo a
demominada Mané Garrincha unindo Copacabana ao Parque
do Flamengo.
Nas cidades litorâneas ou ribeirinhas,
convém iniciarse pela orla marítima, fluvial
ou lagunar. Nas outras, por uma área de grande visibilidade,
que lance moda. Posteriormente, devem ser priorizados aqueles
trajetos com maior presença de bicicletas e que estejam
ligados a outros modos de transporte: estações
de trem, terminais de ônibus e companhia. Integração
administrativa, comunitária e intermodal
Na implantação da malha cicloviária
urbana nunca se pode perder de vista três esferas de
integração:
. a integração dentro da prefeitura;
. a integração com os usuários
e os cidadãos de alguma forma situados no raio de influência
da obra;
. a integração intermodal,
entre a malha cicloviária e outros meios de transporte.
O primeiro nível de integração
é o interno à administração, que
costuma ser difícil. A implantação de
um sistema cicloviário depende de um esforço
conjunto e bem coordenado de diferentes áreas da administração
municipal.
É crucial a capacidade de aproveitar
todas ou quase todas as obras de reurbanização
ou viárias previstas para a instalação
de facilidades cicloviárias. Gastase muitíssimo
menos para incluir uma ciclovia, ciclofaixa, bicicletário
ou microintervenções em obras que vão
ser realizadas, de qualquer maneira, do que num projeto específico
de ciclovia.
Um dos fatores fundamentais do sucesso de
Amsterdã foi estabelecer como critério que toda
e qualquer intervenção em malha urbana deveria
contemplar facilidades cicloviárias compatíveis.
O instrumento ideal dessa desejada integração
é um grupo de trabalho onde estejam representados os
órgãos municipais e estaduais envolvidos e representantes
dos usuários.
Nesse fórum são detectados
os principais "gargalos" ou "pontos negros", do ponto de vista
do ciclista, e decididas as intervenções necessárias.
Ali também será feito o planejamento de longo
prazo, as rotas prioritárias, de acordo com os fluxos
de bicicleta e possibilidades de integração
intermodal.
Ali serão anunciadas, por parte dos
vários órgãos, as obras e intervenções
planejadas para que se integrem a elas facilidades cicloviárias.
É ainda no fórum que os usuários e a
comunidade terão oportunidade de fazer críticas,
reivindicações e propor soluções.
Boa conservação Conservar a
malha cicloviária e sua infraestrutura de apoio é
indispensável. As ciclovias devem dispor de contratos
de conservação específicos, pois são
um tipo de infraestrutura viária muito mais delicada
do que as pistas de rolamento.
Um olho atento ao desempenho da drenagem
da pista, depois de cada chuva, é um cuidado fundamental,
já que a água pluvial é o principal agente
de degradação de uma ciclovia. Manter a pista
sem buracos - em geral convém mais usar o concreto
do que o asfalto, mais abrasivo -, limpa e com a sinalização
bem conservada é muito importante.
Os grandes predadores da infraestrutura cicloviária
são o roubo, o vandalismo e o mau uso.
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Segurança cicloviária
A segurança deve começar a
ser planejada no projeto. A ciclovia deve estar sempre muito
bem iluminada e não deve ter em seu trajeto lugares
ermos ou pontos sem visibilidade que possam favorecer assaltos.
A presença da Guarda Municipal e/ou da Polícia
Militar nas ciclovias é um fator importante para diminuir
a insegurança.
É uma vantagem para o policiamento
ostensivo contar com essa alternativa intermediária
entre o patrulhamento em viatura e o feito a pé. O
furto é mais complicado de ser combatido, mesmo no
primeiro mundo. O conselho, nesse particular, é não
usar trancas com cabo de aço, flexíveis, relativamente
fáceis de cortar, mas aquelas de duas peças,
em metal inteiriço.
Os bicicletários adequados são
aqueles que permitem prender a bicicleta pelo quadro e não
pela roda, facilmente removível pelo ladrão.
O mau uso do sistema cicloviário por parte dos seus
próprios usuários e dos automobilistas e pedestres
que com ele convivem é outro grande problema. Os ciclistas
não devem:
. confundir ciclovia com velódromo,
pedalando em alta velocidade; . andar na contramão;
. realizar manobras acrobáticas e
imprudentes;
. desrespeitar os sinaIs de passagem de pedestres;
. ficar parados no meio da ciclovia, conversando.
Por outro lado, constituem mau comportamento
dos pedestres:
. andar na ciclovia - a não ser que
se trate de uma faixa compartilhada;
. ocupar a ciclovia indevidamente com carrinhos
ou barracas de ambulantes;
. ensinar às crianças patinar
dentro da ciclovia;
. invadir a ciclovia com carros ou motos,
ou estacionálos no seu interior.
É imprescindível, além
da aplicação do Código Nacional de Trânsito,
criar regulamentações específicas, adaptadas
às circunstâncias de cada município e
implementálas.
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Infraestrutura de apoio
Bicicletários organizados e seguros
são uma infraestrutura de apoio que às vezes
pode até preceder a construção de ciclovias
e demarcação de ciclofaixas. Uma das causas
do não uso da bicicleta é não ter onde
deixála. Estações de trem ou metrô,
terminais de ônibus ou barcas, shoppings, clubes, cinemas,
parques, praias, praças são áreas que
precisam ser dotadas de bicicletários.
Nos maiores locais, previstos para um grande
número de bicicletas, a figura do guardador é
importante e pode ser objeto de um projeto de geração
de renda, beneficiando menores carentes.
Outras infraestruturas de apoio importantes,
essas mais do feitio da iniciativa privada, que podem ser
exploradas mediante concessão, são bicicletários
com vestiários públicos e bikecenters oferecendo
acessórios ou pequenos reparos. Há todo um ramo
de negócios a ser explorado e cujo desenvolvimento
evidentemente consolida a malha e a cultura cicloviárias.
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A continuidade
O último elemento fundamental para
a implantação da malha cicloviária é
a continuidade. A experiência do Rio de Janeiro sofreu
uma certa descontinuidade, a partir de 1997, com um grande
corte de verbas e forte redução do ritmo de
implantação de projetos já prontos. Não
parar de pedalar é imprescindível para que a
bicicleta não caia, como também para que a malha
cicloviária se expanda, aperfeiçoe e atraia
mais e mais usuários, humanizando e dando um charme
à cidade.
O cenário vencedor é o de uma
cidade que conserva bem a malha existente, oferece sempre
novas rotas, aperfeiçoa constantemente sua infraestrutura
de apoio,estimulando a criação de um ramo de
serviços vinculado a ela, que consegue associar a imagem
da bicicleta à do seu futuro. A implantação
de uma infraestrutura destinada a aumentar o uso seguro da
bicicleta é, como vimos, um dos muitos componentes
para um novo paradigma dos transportes.
Possivelmente, não é o mais
importante mas tem um peso emblemático e um impacto
cultural que não pode ser subestimado, além
de constituir um investimento relativamente barato, mobilizador
e favorável à atração de parcerias.
Sirkis
atualizado em 25 de agosto de 2000 por Dion